quarta-feira, janeiro 31, 2007

Alguns dados.

Aborto: como é noutros países

2007/01/31 12:44

Legislação é diferente na Europa e América. Dos 27 Estados-membros da UE, apenas cinco criminalizam aborto: Portugal, Polónia, Irlanda, Malta e Chipre. Veja o caso de alguns países

A legislação referente ao aborto é diferente de país para país. Na Europa, a lei varia em relação à despenalização, assim como nas semanas de gestação em que a mulher pode interromper voluntariamente a gravidez. Dos 27 Estados-membros da União Europeia, apenas cinco criminalizam o aborto: Portugal, Polónia, Irlanda, Malta e Chipre. Veja o caso específico de alguns países europeus e do continente americano.
Alemanha
Na Alemanha, o aborto é permitido até às 12 semanas, mas a mulher tem de ir a uma consulta de aconselhamento num centro oficial, na qual recebe esclarecimento médicos e sociais sobre as possibilidade e apoio para ter um filho, e ainda sobre os riscos da IVG. Contudo, as mulheres não têm de justificar a sua decisão, caso optem por fazer um aborto. As despesas têm de ser suportadas pelas mulheres, mas só se estas tiverem rendimentos mensais superiores a cerca de 900 euros.
Bélgica
Também na Bélgica, a gravidez pode ser interrompida até às 12 semanas e a mulher tem apenas de pagar uma taxa moderadora de 3,08 euros. A lei que liberalizou a IVG na Bélgica foi aprovada em 1990 e a assumpção dos custos pelo Estado belga data de 2003. O aborto a pedido da mulher é autorizado até às 12 semanas de gravidez e os custos são suportados pelo serviço nacional de saúde, desde que seja praticado num hospital ou num centro de planeamento familiar certificado para tal.
A mulher que pede para interromper a gravidez é vista por um médico, que a informa dos riscos e faz um exame ginecológico, seguindo-se um período de reflexão de seis dias. Se o aborto for pedido até às sete semanas, é possível optar por uma intervenção química, com o recurso à pílula abortiva, na presença do médico.
Brasil: um milhão de abortos clandestinos por ano
Pesquisas indicam que todos os anos ocorrem no Brasil entre 750 mil a 1 milhão de abortos clandestinos, cujas complicações constituem a quarta causa de morte materna no país. Segundo dados oficiais, cerca de 250 mil mulheres são internadas por ano em hospitais da rede pública de saúde para fazerem raspagem do útero após aborto inseguro, a maioria é jovem e pobre.
O Código Penal do Brasil, de 1940, considera o procedimento crime, excepto em duas situações: gravidez resultante de violação e risco de vida da mãe. Uma terceira possibilidade diz respeito ao aborto terapêutico para casos de anomalias fetais incompatíveis com a vida, isto é, quando o feto apresenta má-formação severa ou acefalia.
Venezuela
A legislação venezuelana sobre a IVG permite apenas que o aborto seja possível em caso de perigo de vida para a mulher. Dados policiais indicam que anualmente mais de 200 mulheres venezuelanas morrem devido a abortos mal praticados, 31 por cento das quais são adolescentes com idades entre os 15 e os 19 anos.
Segundo o Código Penal, a mulher que aborte é castigada com prisão de seis meses a dois anos. A despenalização do aborto é um tema de debate frequente entre organizações da sociedade civil, médicos, incluindo alguns magistrados do Supremo Tribunal de Justiça.
EUA: mais de um milhão de abortos em 2004 De acordo com dados governamentais, efectuaram-se nos EUA, em 2004, pelo menos 1.293.000 abortos. Apesar do direito ao aborto durante as primeiras 12 semanas ser, nos Estados Unidos, um direito constitucional reconhecido há 34 anos, os sectores empenhados nesta questão mantêm a sua militância e o poder político tem criado neste sector respostas para as exigências do eleitorado dominante.
Canadá: IVG diminiu
O Canadá, país onde a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) foi despenalizada em 1988, tem vindo a assistir ao declínio do n úmero de abortos nos últimos anos. Segundo os dados estatísticos oficiais mais recentes, que fazem a análise até 2003, a taxa de abortos no país foi de 15,2 por cada mil mulheres naquele ano, comparada com 15,4 em 2002. A IVG no Canadá é livre, está descriminalizada e é financiada pelo Estado.

terça-feira, janeiro 30, 2007

A pedido de jfr:). (Irra!, que hoje não há descanso cá para o velhote...).

Fez bem em levantar essa questão. Para mim, uma opção só é livre quando informada. Por isso defendo que na regulamentação a elaborar após uma eventual vitória do Sim deveria ficar claro que o Estado propicia "expertise" qualificada para averiguar se a mulher está a ser de alguma forma pressionada e a esclarecer sobre as hipóteses viáveis alternativas à interrupção de gravidez. A partir daí a decisão caber-lhe-á por inteiro.

A propósito do debate.

Como alguns de vocês, também considero que Vital Moreira apresentou - de longe! - o discurso mais articulado da noite. A sua pergunta ao painel e à plateia sobre a denúncia do crime das mulheres e o silêncio que lhe respondeu, demonstra bem como esta lei não corresponde a um sentimento generalizado da população portuguesa. Nem sequer dos defensores do Não, atascados num labiríntico "crime sim, pena é que não", quando muito um "curso de reabilitação moral" - a expressão é minha -, através de trabalho comunitário, como ainda hoje o Dr.Bagão Félix repetiu. Mas para um psiquiatra o início do programa foi, desde logo, sintomático. O texto de Lídia Jorge era uma descrição de factos e ponto final. Pode haver quem ache que pintou a negro carregado para votante ver, como outros vituperam as ecografias do Não, mas dificilmente se pode "espremer" outras coisas dali. O texto de Rita Ferro era diferente. Porque todo ele apontava para a construção de um estereotipo: as mulheres, abortando por capricho e comodismo, grandes beneficiárias de uma eventual vitória do Sim. Ao longo de trinta anos ouvi mulheres com esta postura? Pouquíssimas. E devo acrescentar que nenhuma pertencia a classes económicas que receiem a aplicação da lei vigente...

Assim não vamos lá, é meter a cabeça na areia:(.

Cardeal apoia educação sexual baseada na castidade
A educação sexual «é bem-vinda e necessária», mas ser «verdadeira» tem que ser feita na «perspectiva da castidade», disse o cardeal patriarca, D. José Policarpo


No quarto de cinco textos que está a publicar semanalmente a propósito do referendo sobre o aborto de 11 de Fevereiro, o líder da Igreja Católica em Portugal sustenta que tanto «em termos religiosos como culturais» a castidade surge como uma «vivência generosa e responsável da própria sexualidade».
D.Policarpo critica ainda o «exercício da liberdade num perspectiva individualista», onde «cada um pode fazer tudo o que quer e lhe apetece».
Trata-se de «uma liberdade individual sem responsabilidade», que o cardeal diz encontrar «nos acidentes de viação, nas agressões contra o ambiente, no abandono e abuso de crianças, no aborto».
«O exercício individualista da liberdade origina uma sociedade permissiva. O Estado gasta uma parte significativa das suas capacidades e energias a corrigir abusos de liberdade», acrescenta.
«Enquanto o ambiente for o de cada um fazer o que lhe apetece, o uso da sexualidade levará, cada vez mais, ao desrespeito da pessoa humana de que resulta. A violência familiar, o abuso de crianças, a sida, a utilização da mulher como objecto, os percalços indesejáveis na adolescência, o aborto».
O catolicismo é a religião apontada como largamente maioritariamente en tre a população portuguesa e a Igreja tem tomado uma posição frontalmente contra a despenalização do aborto que vai ser referendada dentro de 13 dias.
«Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?» será a pergunta colocada aos eleitores a 11 de Fevereiro, igual à do referendo de 1998.
Para a campanha, estão inscritos na Comissão Nacional de Eleições (CNE) 17 movimentos de cidadãos (cinco pelo «sim» e 12 pelo «não») e 10 partidos políticos.
Cerca de 8,4 milhões de eleitores estão recenseados para o referendo e a campanha dura 11 dias, entre hoje e 9 de Fevereiro.
Lusa/SOL

Por "sugestão" do Paulo:).

Traquejo



A pequena tempestade provocada há duas semanas pela intervenção da Secretária de Estado da Educação entristeceu-me. Desde logo pela injustiça para com a APF: se a Associação, a que me orgulho de pertencer, prevaricou, deve ser chamada à pedra. Mas é pungente ver utilizar o facto para enlamear uma instituição que se bate há longos anos por objectivos que governos decretaram seus, mas continuam a vegetar em tinteiros ou planos anunciados com pompa e circunstância e escondidos nas gavetas. Adiante.
Afirmou Mariana Cascais, acerca dos professores, que a sua falta de ética sobre a educação sexual é generalizada. Para tirar a seguinte conclusão: “Entendemos que as escolas portuguesas, os professores e os conselhos directivos não têm preparação para o fazer. Cabe ao Ministério da Educação definir critérios orientadores com base naquilo que consideramos ser a ética e moral que devem presidir a estas situações”. Explicação da própria para o ocorrido: falta de traquejo na Assembleia da República.
No concreto, que significa a expressão? Parece lógico assumir que, se pudesse voltar atrás, não teria a Secretária de Estado produzido as mesmas afirmações. Por não traduzirem o seu pensamento, eventualmente nublado pelo nervosismo? (Sei do que falo, trinta anos de anfiteatros deram-me a conhecer o nó na garganta, as mãos húmidas, as pernas bambas, a vertigem ocasional, todo o arco-íris de sintomas que nos invadem perante o público que ouve. E o outro, bem mais cruel!, que cá dentro avalia o nosso desempenho). Talvez, mas não é a única hipótese a considerar, Mariana Cascais pode ter dito aquilo em que acredita piamente. Com maior traquejo tê-lo-ia calado ou envolto em “politiquês”, tão asséptico ou vago que não desencadearia o protesto de ninguém.
De qualquer forma, surge a dúvida: se falta preparação – e falta! – a muitos agentes educativos, quais são as intenções do Governo? Supri-la, acelerando programas de formação, ou refugiar-se nela para justificar um teórico monopólio das famílias em tal matéria? Famílias essas, de resto, sem qualquer competência adicional na área em causa, apenas consideradas mais capazes “porque sim”, o afecto parental é uma faca de dois gumes. A vetusta e patética oposição família-escola parece espreitar de novo. Para não falar da reivindicação de superioridade ética por parte do Ministério. Baseada em quê? No “consideramos” acima citado? Tal postura apenas traduz arrogância no exercício do poder.
O “traquejo político” visto como ciência da dissimulação tem virtudes explicativas, atitudes incompreensíveis passam a fazer sentido: o Dr. Barroso estava ciente de não poder cumprir as ditirâmbicas promessas feitas durante a campanha?; António Guterres sabia a fuga menos relacionada com “o pântano” do que com o seu futuro político?; Paulo Portas reconhece que não se conduz de acordo com os princípios que atirou à cara de tantos outros? E depois? São homens com traquejo! Este tipo de imagem da actuação dos políticos contribui para a existência de tanta gente desiludida com este Governo e sem saudades do anterior. É difícil imaginar situação mais melancólica...
Uma última palavra sobre ética. Das palavras da senhora Secretária de Estado retiro uma ideia que tem muitos adeptos: para discutir sexualidade com os nossos filhos é necessária uma “solidez ética” superior à utilizada no processo educativo geral, atendendo ao carácter específico e delicado do tema. Não estou de acordo. A vivência da sexualidade implica, ideal e basicamente, o respeito pelo outro e por nós próprios. Recuso-me a pensar que os professores responsáveis, juntamente com a família, pela caminhada de meus filhos rumo à cidadania se regiam por uma ética menos exigente do que essa. Quem o fizer é mau docente, e não apenas inadequado para falar “daquilo”.
Dediquei grande parte da minha vida à formação. Também dos professores, muitos dos quais a pagavam do seu bolso, enquanto o Ministério assobiava para o ar. Precisam de mais? Venha ela!, sempre a exigi. Mas não me calarei quando forem ofendidos gratuitamente, embora saiba – ó, ironia! – que não lhes falta traquejo na matéria...

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Simplesmente genial!

http://www.youtube.com/watch?v=myf5ces77PU

Dois.

"Ainda se enfiam agulhas de tricô" em pleno centro do Porto

"Tenho a consciência tranquila, sabe? Porque se não tivesse ajudado aquelas mulheres elas iam meter agulhas até ao útero para abortarem. Há quem pense que isto das agulhas já não existe, que o raminho de salsa [enfiado na vagina até ao colo do útero] já não existe. Existe, pois! Todos os dias acompanho gente que vive em bairros de miséria. Essas pessoas não vão a Espanha! Nem tomam Cytotec. Enfiam agulhas de tricô, sim. Atiram-se pelas escadas abaixo, sim."As palavras, como rajadas, pertencem a José António Pinto, assistente social da Junta de Freguesia da Campanhã, Porto, um dos envolvidos no famoso julgamento da Maia, que sentou 43 arguidos no banco dos réus, e em que uma enfermeira-parteira foi condenada a oito anos de prisão. José Pinto confessou que sim, encaminhava as mulheres para aquela morada. "Mulheres que viviam no limiar da condição humana. Que não podiam ter mais um filho porque já nem comer tinham para dar aos outros." Foi absolvido, os magistrados não acreditaram que angariasse mulheres e recebesse dinheiro pelos abortos. As próprias mulheres confessaram que José Pinto as tentava demover, mas que a vida já tinha decidido por elas.Por conhecer tão bem a pobreza, indigna-se quando ouve os movimentos pelo "não" assumirem-se "pela vida". Como se quem aborta fosse "pela morte". "Eu também sou pela vida! Mas pela vida em abundância, pela vida desejada e com condições." Hoje, as mulheres procuram-no menos, para pedir esse tipo de ajuda. "Têm medo de me prejudicar." E, por isso, vão a uma conhecida senhora de um bairro no centro do Porto (igual a tantas outras de outros bairros) que lhes abre as pernas e enfia ramos de salsa. Ou então, as que podem pagar, vão a uma ainda mais conhecida clínica perto de Aveiro. A clínica, essa clínica do centro do país, é aquela a que mais mulheres portuguesas recorrem, logo depois da Clínica dos Arcos, em Badajoz. As contas apontam para 500 a 600 abortos por ano. Cá fora, no parque de estacionamento, há rapazes e raparigas que se olham, quem sabe procurando ainda outras soluções. Alguns são muito novos, as borbulhas tão acesas como as hormonas, os corpos quase infantis. Há meninas de olhar assustado acompanhadas pelas mães.A clínica tem muitas especialidades, mas há um vai-e-vem de mulheres que, na conversa com o psicólogo, explicam as razões para a inviabilidade daquele filho. O director da clínica garante que as interrupções são feitas à luz da lei, que possibilita o aborto nos casos em que a gravidez seja uma ameaça à saúde física ou psíquica da mulher. E ali, o factor psíquico é determinante. Uma carta do psicólogo atesta o perigo. A ecografia (feita sem o cuidado de ocultar a imagem do embrião dos olhos de quem o carrega) certifica as semanas de gravidez. O procedimento é feito, numa sala sem luxos nem sofisticações, numa marquesa com estribos e uma tina de metal no meio. Paga-se um mínimo de 550 euros, e trocam-se poucas palavras, muito poucas palavras. No final, uma enfermeira vem para acariciar os cabelos, ajeitar os cobertores, "sim, o frio é normal", e carregar na barriga, "para ajudar a limpar o útero". Sai--se uma meia hora depois, com uns comprimidos para tomar e uma vida para prosseguir.

Um...

"A vida concebida jamais será vencida"
"Manifestação de cidadania" Susete FranciscoPaulo Spranger (Imagem)


"Somos um/somos dois/somos três/somos milhões/somos muitos a gritar não." Não foram milhões, mas foram milhares - oito a nove mil pelas contas da polícia, embora a organização tenha apontado 20 mil - os defensores do "não" no referendo de 11 de Fevereiro que se juntaram ontem numa Caminhada pela Vida nas ruas de Lisboa. Duas horas a pé, entre a Maternidade Alfredo da Costa e a Alameda, ao som de tantos slogans quantas as associações e organizações que se juntaram à marcha."Estes são os filhos da Nação/ crianças por nascer/ansiosos por viver/uma nova geração." Ao cântico que ia sendo entoado num trajecto que a organização dividiu por etapas - concepção, nascimento, infância, adolescência, juventude, idade adulta e idade dos avós - juntaram-se centenas de cartazes. Uma só mensagem, versões para todos os gostos: "Pela Vida, com Amor"; "Abortar por opção quando bate um coração? Não"; "Já fui embrião, agora ancião"; "Obrigado mãe, por ter nascido". E, numa caminhada que contou com a presença de inúmeras crianças, as vozes sempre a acompanhar, mesmo com ecos de outras marchas - "A vida concebida jamais será vencida!"Encabeçada por nomes como Maria José Nogueira Pinto, o ex- -ministro das Finanças Bagão Félix, a fadista Kátia Guerreiro ou José Ribeiro e Castro (líder do CDS, partido que contou uma forte representação na marcha), contando com a presença de Aguiar Branco (deputado do PSD), Matilde Sousa Franco (deputada do PS), os centristas Luís Nobre Guedes e Paulo Portas, ou D. Duarte, foi a outros protagonistas que a caminhada deu voz, num palco montado na Alameda. Em defesa de uma "causa sem fim", sustentou então Margarida Neto, da Plataforma Não Obrigada: "Na vitória de 98 fizemos história, a partir de então foi uma bola de neve. Multiplicaram--se obras e instituições dispostas a lutar pela defesa da vida, somos hoje uma multidão de amigos, unidos pela mesma causa." Também defendida pela espanhola Esperanza, que há 12 anos sofreu um "aborto provocado": "Temos direito a que nos informem, temos direito a que nos dêem alternativas porque não queremos abortar." Pelo palco passaram também representantes de movimentos contra o aborto em França e Itália. "Nós, franceses, não desejamos que Portugal sofra uma catástrofe semelhante à que França tem sofrido", diria o francês George Martin, da associação Droit de Naître. "Roguemos à Virgem de Fátima que proteja este país e não permita que seja levado a apoiar uma cultura de morte", acrescentaria ainda, antes de defender que "o direito à vida é um direito natural, anterior ao Estado, consagrado no mandamento "Não matarás".
Longe deste argumentário, Maria José Nogueira Pinto definiu a Caminhada pela Vida como uma "manifestação de cidadania que prova que a questão não é partidária, nem religiosa, é uma questão de sociedade". Uma "expressão de autenticidade e união em defesa do valor da vida", defendeu Bagão Félix, enquanto Ribeiro e Castro destacou a marcha como a prova da "vitalidade dos valores da vida e da família". Entre os muitos anónimos que percorreram as ruas de Lisboa, Joana Monteiro, 23 anos, diz ter-se juntado à caminhada por defender que o "aborto não pode ser uma alternativa" - "Está a passar uma mensagem errada de que o aborto é uma opção igual às outras. Não é. E a solução para o que é clandestino não pode ser a legalização."

domingo, janeiro 28, 2007

Dois.

Referendo
Papel do progenitor divide os defensores do «sim» e do «não»
Os partidos e os movimentos que defendem o «sim» e o «não» à despenalização do aborto no referendo de 11 de Fevereiro dividem-se também quanto ao papel do progenitor na decisão de interromper uma gravidez


Num questionário enviado aos partidos e movimentos, a agência Lusa perguntou se «deve a lei portuguesa reconhecer algum direito ou atribuir alguma responsabilidade ao progenitor na decisão de interrupção de uma gravidez?».

De um lado, o «Alentejo pelo Não», por exemplo, respondeu que «o pai deve ter o direito de decidir a favor da vida do seu filho mesmo que a mulher não queira», enquanto os «Médicos pela Escolha» disseram que a decisão deve caber «unicamente à mulher».

«A lei deve proteger a mulher de pressões em relação à sua decisão e penalizar qualquer pessoa, inclusive o progenitor, que exerça coacção, interfira de uma forma impositiva ou com chantagem na sua decisão», acrescentaram os «Médicos pela Escolha»

«Um embrião tem o seu ADN próprio dado metade pela mãe e metade pelo pai. O pai deve ter o direito de decidir a favor da vida do seu filho mesmo que a mulher não queira», contrapôs o «Alentejo pelo Não», sublinhando ser contra o aborto «por opção».

O PS defendeu que «a última decisão deve sempre caber à mulher» e o CDS-PP considerou que na lei «deveria ser concedido ao pai o direito a proteger a vida do seu filho, daí se retirando também as correspondentes obrigações».

«É desejável que o progenitor acompanhe a mulher na sua decisão», afirmou o PS. «Mas a última decisão deve sempre caber à mulher, pelas razões fisiológicas, emocionais e psicológicas que estão subjacentes a uma gravidez», completou o partido.

Pelo contrário, para o CDS-PP, «no caso de uma lei que consagrasse o aborto livre, deveria ser concedido ao pai o direito a proteger a vida do seu filho, daí se retirando também as correspondentes obrigações».

«A pergunta que vai a referendo no próximo dia 11 de Fevereiro está correcta quando atribui à mulher a opção de interromper a sua gravidez", responderam os «Jovens pelo Sim», referindo porém que «sempre que possível a decisão deve resultar de um consenso entre um casal».

O «Diz que Não» advogou que «a partir do momento em que são retirados ao pai quaisquer direitos na decisão de terminar ou não com a vida daquele filho abrem-se precedentes no direito da família que poderão ter repercussões graves no plano do poder paternal».

Também a "Plataforma Não Obrigada" sustentou que se o «sim» ganhasse o referendo «a liberalização do aborto criaria um quadro legal que ignoraria por completo a figura do homem» e «poria em causa a paridade e igualdade de direitos entre homem e mulher».

O «Algarve pela Vida» classificou de «aberração» a atribuição de «plenos poderes à mulher para, contra a vontade do marido, proceder à eliminação física do filho de ambos», quando a lei obriga «a mulher casada em regime de comunhão de adquiridos a pedir o consentimento do marido para, por exemplo, vender um automóvel».

O «Em movimento pelo sim» argumentou que «a lei não deve e não pode» dar um papel ao progenitor «até porque os processos legais daí decorrentes colocariam em causa as razões e os prazos previstos numa nova lei», embora seja desejável uma decisão conjunta.

O movimento «Liberalização do Aborto? Não!» respondeu com interrogações: «Os homens não podem ser pais? Quereremos que a responsabilidade da decisão de criar um filho recaia totalmente, exclusivamente, sobre a mulher? (...) Onde estar ia então a igualdade entre sexos?».

O PCP, o BE e o PSD não responderam às perguntas enviadas pela agência Lusa, assim como os restantes onze movimentos que participam na campanha sobre a despenalização do aborto até às 10 semanas de gravidez. No total são 19 movimentos, cinco pelo «sim» e 14 pelo «não».

Lusa/SOL

Um...

É mentira que o sim signifique o aborto livre»
2007/01/28 10:17

PCP critica silêncio do «não» quando a licença de maternidade foi reduzida

O secretário-geral do PCP acusou sábado «as forças pró-não» no referendo do aborto de demagogia ao defenderem maior apoio à família, já que estiveram silenciosas quando a reforma do Código do Trabalho reduziu a licença de maternidade, escreve a Lusa.
«Onde estavam quando a reforma do Código do Trabalho promovida por Bagão Félix, ele próprio defensor do Não, veio reduzir a licença de maternidade e o carácter universal do abono? Não se ouviram os seus protestos», disse Jerónimo de Sousa.
Falando em Aveiro num jantar do PCP para defender o «Sim» no referendo sobre o aborto, o secretário-geral daquele partido justificou que o PCP, embora considere que a Assembleia da República é o órgão de soberania que tem legitimidade para alterar a lei penal, «não podia ficar de fora de uma batalha que foi sempre sua».
O líder do PCP salientou que Portugal é «dos pouquíssimos países europeus» que mantém a penalização do aborto, ignorando recomendações de organizações internacionais.
Acusou, por isso, os partidários do «Não» de «fazerem da União Europeia o seu modelo quando estão em causa os seus interesses, de serem do pelotão da frente quando se refere aos seus negócios, mas estarem no carro-vassoura no que respeita aos direitos das mulheres e dos trabalhadores».
«É mentira que o Sim no referendo signifique o aborto livre, ou o aborto a pedido e sem motivo. O que está em causa não é se somos a favor ou contra o aborto, é se se mantém a possibilidade da pena de prisão até três anos para as mulheres, a devassa da sua vida íntima, as investigações e os julgamentos», expôs.
Para Jerónimo de Sousa, o processo de Aveiro, em que mulheres foram condenadas a três anos de prisão, com pena suspensa, «deita por terra o argumento da seráfica complacência da Justiça» e a decisão de 11 de Fevereiro trata de «acabar com o ferrete do cadastro dessas mulheres».
«Não basta apoiar o 'Sim'. É preciso combater a abstenção, porque é um problema que, pela sua gravidade, não pode deixar ninguém indiferente», concluiu.

sexta-feira, janeiro 26, 2007

E outro.







Ana, 14 anos, morta pela 'boa' lei
Fernanda Cânciofernanda.m.cancio@dn.pt


A história passa-se no final de 2005. Uma adolescente de 14 anos entra no Hospital de Santa Maria com uma overdose de misoprostol, vulgo Citotec, o medicamento para o estômago liberalizado nos últimos cinco ou seis anos como método abortivo auto-induzido que resulta em inúmeras sobredosagens diagnosticadas nas urgências. Ana - chamemos-lhe Ana, é curto e serve - tomou 64 comprimidos. Remetida de um hospital de periferia, chega "já em choque" a Santa Maria, com "alterações vasculares importantes ao nível do tubo digestivo". Em bom português, a Ana está toda rebentada por dentro. A operação não a salva. Ana estava de 20 semanas. Mais dez que aquelas que a pergunta do referendo prevê e mais oito que as 12 previstas na lei em vigor para casos de "risco para saúde física ou psíquica da grávida". Talvez, se Ana tivesse tido a ideia e a coragem de, com ou sem os pais, ir a um hospital às dez semanas de gravidez, um médico compassivo lhe tivesse resolvido "o problema", considerando que a gravidez numa menina de 14 anos pode constituir um grave risco para a saúde. Nunca saberemos. O que se sabe é que a lei não abre excepções para meninas de 14 anos - mesmo se, aos 14 anos, nem sequer se é imputável criminalmente. O que se sabe é que a lei diz que toda a gravidez "normal" que não seja entendida como fruto de crime de violação deve ser levada a termo, com carácter de obrigatoriedade e sob ameaça de três anos de prisão. E que mesmo nos casos como o da Ana, cujo acto, pela idade da autora, estaria automaticamente despenalizado, a pena pode ser a morte. A morte por aborto, em 2005, por ausência de acesso a uma interrupção de gravidez médica e segura. É esta a lei "boa" que Marcelo Rebelo de Sousa descobriu agora. Esta ou aquela que o professor, na sua dominical cátedra mediática, imaginou em forma de "despenalização geral", sem limite no tempo de gestação, desde que "não seja a mulher a decidir". Quem decidiria, não se sabe, o professor não disse. Nem o que aconteceu à argumentação do sagrado valor da "vida intra-uterina", o tal valor que justifica a qualificação de "crime". Nem, tão-pouco, o que aconteceria às mulheres que decidissem interromper a gravidez sem caução "superior". Mas adivinha-se. Aconteceria o que acontece agora, exactamente: vergonha, clandestinidade, sofrimento, saúde arruinada e às vezes morte. É a pena que o professor Marcelo, que não quer "ver mulheres julgadas", lhes decreta. A pena de morte, sem julgamento.















Um contributo...







Muitas perguntas poucas respostas (2)
Maria José Nogueira Pinto Jurista


A prisão da mulher que aborta tornou-se, neste referendo, o ponto nevrálgico da exploração de uma frágil e fragmentada consciência colectiva. Quem é que quer ver as mulheres presas? A esta pergunta, cada um de nós precipita-se a olhar para dentro de si mesmo. E vê o quê? Vê essa mulher abandonada, entregue à sua sorte, desesperada. E que diz? Não, eu não quero que ela seja presa!Antes de nos deixarmos arrastar por este "círculo em expansão da compaixão moral" é obrigatório, por uma questão de honestidade intelectual, que se analise do quê e de quem estamos a falar.Na reflexão que este referendo exige de todos nós, convém lembrar que o aborto é um crime na exacta medida em que a vida humana é um valor essencial e o direito à vida a base de todos os outros. Destruir uma vida que tem todas as condições para prosseguir o seu ciclo natural de de-senvolvimento é uma violência muito superior à que possa sentir a mulher que aborta por um puro acto de voluntarismo, quando é julgada.Em todos os ordenamentos jurídicos o aborto é um crime precisamente porque a vida humana é um valor fundamental, incluindo, naturalmente, a vida humana intra-uterina. A lei de 1984 não afasta este princípio basilar, apenas tipifica situações excepcionais, casos-limite. E noutros países o que se pôs em causa foi a existência, ou não, de vida humana nas primeiras semanas de gestação. Questão eminentemente do domínio da ciência e não do direito. Sendo que o progresso científico, entretanto verificado, fez desaparecer a base empírica da oposição fundamental entre o ser nascido - visível e imediatamente presente na vida social - e o ser não nascido, inacessível e oculto.O ser humano não nascido aparece agora, e aparecerá no futuro, em contextos sociais cada vez mais extensos, como uma entidade ética e jurídica de per si.A primeira pergunta a exigir fortemente resposta é a de quantas mulheres foram julgadas em Portugal? E dessas, quantas foram condenadas? E dessas, quantas cumpriram pena de prisão?É que, enquanto um "sim" genérico e cego desvaloriza em absoluto o acto de abortar e elimina do nosso ordenamento jurídico o valor da vida humana até às dez semanas de gravidez, a ponderação, caso a caso, das concretas circunstâncias em que cada concreta mulher, ela e a sua condição, foi levada a abortar é o único caminho justo que distingue comportamentos assentes em puro laxismo irresponsável, pura leviandade (que numa sociedade responsável não devem merecer compaixão), das situações condicionadas por factores objectivos, que podem explicar uma atitude extrema. Este distinguo é da essência do sistema judicial e é uma das mais relevantes funções dos magistrados.Ao contrário do que alguns pensam, não há leis responsáveis para comportamentos irresponsáveis. Mas há sempre uma aplicação responsável da lei, e essa é a melhor garantia.É bom relembrar que o "sim", neste referendo, não contribuirá em nada para acalmar a consciência colectiva não só quanto à pobreza e solidão das mulheres que abortam, como também quanto à humilhação do julgamento ou da prisão. Podia até ser verdade se a pergunta que vai ser feita aos portugueses fosse outra... Mas não é. Com este "sim", às dez semanas e um dia, as mulheres que abortarem - na mesma pobres, na mesma abandonadas, na mesma humilhadas - podem ser presas.Nada aflige mais a minha condição feminina como ouvir e ver na televisão homens mediáticos a perorarem, com um conveniente ar e tom compungido, sobre as pobres mulheres que abortam, porque abortar é sempre mau, lembram, um trauma, já se sabe, mas paciência, o que é que se pode fazer?Como se na origem da gravidez não estivesse sempre um homem e na origem do aborto não estivesse quase sempre um homem que se demite, foge e abandona.E se a prática do aborto é sempre algo mau, doloroso e traumático para a mulher, e portanto não desejável, porquê apresentar a sua liberalização (afinal a mulher irremediavelmente entregue à sua sorte) como a melhor resposta que a sociedade lhe oferece, apresentada como uma conquista civilizacional?Finalmente, mas não menos relevantes, são as dúvidas que suscita a aplicação prática do "sim", caso ganhasse. É que uma lei cria direitos e gera legítimas expectativas quanto à sua aplicação. Como daria o Serviço Nacional de Saúde resposta a este novo direito? Com que meios? E em detrimento de que outros direitos em saúde?Sendo os recursos escassos, o "sim" vai legitimar a redistribuição desses recursos em nome de uma política pública paga com os nossos impostos. Vão cortar na prevenção do cancro da mama ou do colo do útero? Vão passar de quatro para oito anos a lista de espera para o tratamento da infertilidade? Vão deixar cair, ainda mais, as disposições da lei do planeamento familiar, cortando consultas, anticonceptivos gratuitos e informação e formação às mulheres? Vão reduzir os médicos de família? Vão desinvestir nos doentes crónicos? Vão fechar os olhos às doenças neuro-degenerativas que afligem crescentemente os idosos? Vão fechar serviços de Saúde dificultando mais o acesso dos cidadãos? Como vai o Ministério da Saúde pagar a contratualização de clínicas privadas no caso, já dado como certo pelo ministro, de o SNS não ter capacidade de atendimento?É a estas perguntas que é urgente dar resposta. Ficamos à espera.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

A falta de bom senso dos "especialistas"...

As quecas do papá... Jornalista rubencarvalho@mail.telepac.pt

O inquérito sobre a sua vida familiar realizado junto de vários milhares de crianças e jovens das escolas portuguesas levanta problemas de vária índole, embora todo eles de gravidade.Sem, em rigor, ser possível estabelecer uma hierarquia de importância (a que Jorge de Sena seguramente chamaria uma hierarquia do disparate…), citemos em primeiro lugar o facto de um número evidentemente apreciável de adultos, presumivelmente preparados académica e tecnicamente, ter elaborado, estudado, aprovado, decidido distribuir, distribuído e preparar-se para "estudar" um questionário onde se pede a crianças que avaliem o comportamento sexual dos pais!Se toda esta trapalhada tivesse partido de uma única luminária, ainda se poderia admitir que de loucos está o mundo cheio - e ninguém tinha dado por isso. Mas é evidente que aquele trabalho resultou da elaboração de uma "equipa", do juízo de "especialistas", da aprovação de "responsáveis" - e não houve no meio desta multidão uma centelha de bom senso que dissesse, com a tranquilidade de revelar a nudez do rei, que tudo aquilo era um ignóbil absurdo.E quando se utiliza o adjectivo ignóbil não se está apenas a pensar no problema entre o pedagógico e o moral de interrogar jovens sobre tais temáticas aplicadas aos seus familiares, mas a um outro aspecto tão ou mais relevante: é o incentivo ao voyeurismo aqui sugerido, a par e passo com um comportamento de observador de intimidades que roça a espionagens policiesca, coerentemente acompanhado com o incentivo a julgamentos moralista numa situação de natural carência de referentes inerente à idade.O que se passa na escola é, por definição, escolar. Tudo o que se passa na escola é (pelo menos, deverá ser) educativo: aquilo que, como conhecimento, é transmitido, mas igualmente comportamentos, padrões, formas de relacionamento - enfim, tudo o que, em terminologia que fez época e talvez devesse continuar a fazer, prepara os jovens para a vida.Temos então que, no entender destas luminárias, se deve transmitir nas escolas às crianças este padrão de espionagem dos seus próximos e, à luz dos mais que duvidosos padrões da ideologia dominante, sugerir-lhe juízos e avaliações comportamentais.Tudo isto para que uns fulanos façam - umas estatísticas! Não é preciso, já se constatou a assustadora percentagem de patetas...

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Homenagem.

Oliveira Marques foi um grande historiador, um homem bom e um amigo dos Machado Vaz. Espero que esteja algures em amena cavaqueira com meu Pai.

Mais um depoimento.

Bispo de Viseu votaria sim se...

2007/01/24 09:58

Bastava que a pergunta do referendo fosse diferente e questionasse sobre a despenalização da mulher que recorre ao aborto. Nesse caso, D. Ilídio Leandro votaria «sim» «sem contradição nenhuma». Até porque, explica, ninguém o faz «por leviandade», são «vítimas da sociedade»

O Bispo de Viseu, D.Ilídio Leandro, declarou terça-feira em Viseu que votaria «sim» se o que estivesse em causa no referendo de 11 de Fevereiro fosse a despenalização da mulher que pratica o aborto. E sublinhou que quando uma mulher recorre ao aborto não o faz «por leviandade», é uma «vítima da sociedade».
«Sem contradição nenhuma votaria sim», disse o bispo num debate sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) realizado terça-feira na Escola Superior de Educação de Viseu.
D.Ilídio Leandro falava no debate enquanto defensor do «Não» no referendo do próximo dia 11 de Fevereiro, que coloca a seguinte pergunta: «Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?».
O Bispo Ilídio Leandro, em declarações difundidas pela rádio Noar, de Viseu, considerou que «ninguém vai para o aborto por vontade própria ou por leviandade» e que a mulher «é uma vítima da sociedade e não alguém que promove a prática do aborto».
O Bispo de Viseu disse ainda que no dia seguinte ao referendo sobre a despenalização do aborto, a Diocese de Viseu «vai anunciar algo para ajudar nos casos e situações atentatórias de degradação humana».
A Igreja Católica, maioritária em Portugal, é frontalmente contra a liberalização da interrupção voluntária da gravidez (IVG), que vai ser sujeita a referendo nacional a 11 de Fevereiro.

terça-feira, janeiro 23, 2007

17.000...

Uma "pandemia evitável" que alimenta "um negócio obsceno" Fernando Madaíl
O aborto clandestino, defende Maria de Belém Roseira, "não é um problema de ordem pública, mas um problema de saúde pública". A deputada do PS até cita o título de um artigo publicado, em Novembro, na conhecida revista médica The Lancet, onde se definia aquele fenómeno como sendo, em países menos desenvolvidos, "a pandemia evitável".Ao apresentar, ontem, em Lisboa, o livro História do Aborto (Ed. 70), da autoria de Giulia Galeotti, para o qual escreveu o prefácio, a ex- -ministra da Saúde considera que se juntam, neste domínio, questões sociais, de saúde pública e jurídicas.Lembrando que as organizações internacionais fizeram sempre projecções sobre o aborto clandestino em Portugal, a defensora do "sim" recordava que o estudo que a Assembleia da República pretendeu lançar, ainda no tempo do Governo de Durão Barroso, era "tão complexo e profundo" que acabou por ter custos que exigiam um concurso público internacional - e, ainda hoje, está por iniciar. Neste momento, há o estudo da Associação Portuguesa para o Planeamento da Família, que teve uma "amostra representativa" e cujos resultados nos "interpelam de uma maneira brutal", revelando que se praticam cerca de 17 mil abortos por ano no nosso país.No entendimento da deputada, é a actual "solução legal que está a dar alimento a um negócio obsceno" como é o aborto clandestino. E, criticando vários aspectos da actual legislação, a ex-ministra refere que a lei só é aplicada às classes mais desfavorecidas ("ninguém consegue aplicar o Código Penal às portuguesas que abortam no estrangeiro"), só atinge uma parte dos intervenientes ("nenhuma mulher engravida sozinha") e só se aplica de vez em quando ("nada corrói mais um Estado de direito do que uma legislação criminal que não é aplicada").Admitindo que o aborto "não é nem nunca pode ser método de planeamento familiar", Maria de Belém considera que a melhor forma de debelar o "flagelo" é retirá-lo da clandestinidade. Até porque, conclui, no sistema de saúde será possível "identificar as mulheres que não querem abortar e estão a ser coagidas" pelo companheiro ou pelos pais.

segunda-feira, janeiro 22, 2007

E o nevoeiro que estava no Parque das Nações? Brrr...

Porque o PS me pediu autorização para fazer circular a minha intervenção na Conferência de Sábado em Lisboa, decidi que o Murcon tem prioridade no que às minhas ruminações diz respeito:).





Este nosso encontro era para mim um compromisso de honra, assumido no Fórum Novas Fronteiras. Não sou hipócrita – até alguns dias atrás, tive fundadas esperanças de estar convosco no meu Porto, a dois minutos de casa. Mas se a hipocrisia não faz parte do meu carácter, os traços paranóides abundam nele. E segredam-me que este convite só pode ter uma explicação: o Engenheiro José Sócrates, nos intervalos da governação, diverte-se obrigando-me a passar tardes de Sábado em Lisboa!
Delírio de perseguição controlado, o que nos reúne hoje? Uma campanha que é uma segunda oportunidade para todos. E o “todos” não denuncia oportunista reconciliação amnésica, ditada pela proximidade da contagem de votos que carimba vencedores e vencidos. De modo algum. Falo de oportunidade, jamais empregaria a palavra tentativa. Pela triste razão que há oito anos verdadeiramente não tentámos todos.
Imagino a suspeita que vos assola – “o homem vai repetir a ladainha das Novas Fronteiras e zurzir a inércia do PS”. Não vou. O que havia a dizer foi dito. O passado não esquece, mas é digerido, sob pena de bloquear o futuro. E será o futuro a ocupar-nos nas próximas semanas. A todos. Aos que se fazem à estrada, mas também aos que no primeiro referendo preferiram a praia, repousaram à sombra de sondagens ou assinaram um armistício com a hesitação e ficaram em casa. Primeiro, livres da angústia da tomada de decisão; depois, presos de culpa surpreendida – “o que não fiz eu e quais serão as consequências?”.
Oito anos volvidos, seria fácil decretar chegado o momento de corrigir tal displicência, e por isso esquecê-la. Não podemos. Mesmo que o Sim ganhe, como desejamos. Porque esta segunda oportunidade não surge depois de um intervalo asséptico, da espera monótona que apenas pôe à prova paciências e egos, de dias sem história. Bem pelo contrário!, houve gente a pagar um preço demasiado alto, gente que tinha o direito de ser poupada a degradantes provações. O circo mediático a que assistimos no passado recente alimentou-se da violação de privacidades, da angústia provocada pela exposição pública, da humilhação de pessoas obrigadas a esperar da Justiça o que ninguém lhe deve pedir num Estado de Direito – que em vez de ser democrática e rigorosamente cega, desvie olhar e penas; assim se substituindo a decisões que são da responsabilidade do povo através dos seus representantes.
Essas escapatórias legais, quando acontecem, por bem intencionadas e eficazes que pareçam, reforçam o paradoxal discurso que invoca a não aplicação da lei para defender a sua manutenção. Eis-nos em pleno surrealismo: uns recusam a aplicação da lei por a considerarem injusta; outros exibem o seu tornear para lhe reclamar a sobrevivência, aos gritos de “não são presas, não são presas!” Como se a ausência de mãos nas grades libertasse alguém da obscena devassa infligida por todo o processo… E por simples higiene mental não me referirei a certas propostas de penas alternativas que já li e ouvi por aí. Delas se desprende um forte odor a reeducação, caridadezinha e superioridade moral que considero incompatíveis com o respeito que um Outro – ainda por cima fragilizado! – nos merece.
Digamo-lo com clareza, e fá-lo-emos as vezes que forem necessárias – o que está em jogo, e em absoluto defendemos, é a despenalização da interrupção da gravidez por opção da mulher nas primeiras dez semanas e em estabelecimento de saúde legalmente autorizado. Em termos práticos, a que tem conduzido a lei vigente, provada que está a ausência de qualquer efeito dissuasor? À liberalização do aborto clandestino, com os resultados que todos conhecemos, ao nível da saúde física e psicológica das mulheres; quem frequentou ou frequenta os Serviços de Urgência conhece-os bem, por mais que diminuam as situações de vão de escada. O que somos chamados a decidir é se pessoas que tomaram uma decisão de foro íntimo, na esmagadora maioria dos casos dilacerante, têm ou não o direito de enfrentar um período difícil com ajuda profissional e sem a palavra crime e suas consequências à espreita. A escolha com que nos deparamos é esta e só esta.
Significa a firmeza da afirmação que me declaro indisponível para abordar factos laterais, surgidos na viva discussão que envolve um tema tão afectivamente carregado? De modo algum, recuso apenas que mascarem ou distorçam a questão de fundo. Com tal precaução em mente, e feita a triagem entre factos e simples barulho de fundo, a troca de opiniões revela-se intelectualmente estimulante e susceptível de provocar avanços na conceptualização dos problemas e na sua abordagem prática. Darei um exemplo egoísta, por se enquadrar na minha actividade profissional como psiquiatra.
Na última semana muito se falou da existência de um stress pós-traumático relacionado com o aborto, que poderia mesmo, em certos casos, desaguar no suicídio. Colegas meus salientaram – e bem! – que tal entidade não consta de nenhuma das classificações da Organização Mundial de Saúde ou da Associação Americana de Psiquiatria. Mas entendamo-nos: muito antes de ler sobre os veteranos da Guerra do Vietname ou – infelizmente… - os da nossa Guerra Colonial, ouvi mulheres descreverem sintomas compatíveis com o diagnóstico de stress pós-traumático. Como escutei de outras relatos em que o alívio imperava, seria desonesto decretá-lo um mecanismo de defesa contra a culpa ou sinal de psicopatia empedernida. E, mais vezes ainda, ouvi mulheres descreverem a angústia da indecisão e a tristeza da decisão, para terminarem com uma frase que ligava presente e passado, desejo e necessidade - “mas em condições semelhantes faria o mesmo”.
Especificamente no que ao suicídio diz respeito, determinado estudo de autores finlandeses autores debruçou-se sobre as suas relações com o parto e os abortos espontâneos e provocados. Citarei ipsis verbis a parte final das conclusões: “A relação entre suicídio, desordens mentais, acontecimentos de vida, classe social e apoio social é complexa. O aborto poderia traduzir uma selecção de mulheres com maior risco de suicídio por razões como a depressão. Outras explicações para a taxa mais alta de suicídio após um aborto provocado poderiam ser a baixa classe social, o baixo apoio social e acontecimentos de vida anteriores; ou a prática de aborto ser escolhida por mulheres que estão em maior risco de suicídio por outras razões. O aumento do risco de suicídio após um aborto provocado pode, além de indicar factores de risco comuns aos dois comportamentos, resultar de um efeito negativo do aborto no bem-estar mental da mulher. Contudo, a partir dos nossos dados, não foi possível estudar a causalidade de modo mais cuidadoso. Não obstante, os dados mostram claramente que as mulheres que passaram por um aborto provocado enfrentam um maior risco de suicídio, facto que deve ser levado em conta na prevenção de tais mortes”.
Repararão no cuidado posto nas palavras: as relações entre os diversos factores de risco e o suicídio são complexas; outras explicações, que não o aborto em si mesmo, são possíveis, ou anteriores a ele; não é exequível decidir se há uma comunhão de factores de risco ou se o aborto provocado actuaria “a solo”; a recusa em estabelecer um nexo de causalidade é claramente assumida; o aumento de risco verificado conduz os autores a preconizar o levantamento da existência de abortos prévios para uma melhor prevenção do suicídio. Não do aborto…
Porque não me deveria debruçar sobre tal estudo? Por não o considerar credível? De modo algum. Por medo de um eventual efeito devastador das suas conclusões sobre a posição que defendo nesta campanha? A ser verdade, tal esquiva demonstraria lamentável desonestidade intelectual. Pelo contrário, o estudo fez-me reflectir e desenvolver o pensamento sobre a matéria. Ora vejamos: se há consenso entre defensores do Sim e do Não é no reconhecimento da violência psicológica que implica a hipótese de interromper uma gravidez. Como surpreender-nos então que tal acontecimento de vida, como outros, possa ter um efeito negativo em certas mulheres? Trinta anos de profissão dedicada à escuta possibilitaram-me ouvir de tudo, como já disse – a maior das culpabilidades, o alívio puro e simples, a mistura subtil dos mais diversos afectos.
Não tenho por isso nada a objectar ao estudo, e sim a acrescentar. Num país em que a interrupção voluntária da gravidez nas condições da pergunta é crime, qual será a influência de tal variável? Também eu serei cauteloso na hipótese colocada: ficaria muitíssimo surpreendido se a criminalização, com as respectivas consequências, fantasmáticas e reais, não se juntasse aos factores gerais de risco para a saúde mental das mulheres. A minha divergência com os meus colegas limita-se, portanto, a dois aspectos: não acredito que o conhecimento de uma relação hipotética e multifactorial entre aborto provocado e stress pós-traumático ou suicídio seja dissuasor de uma decisão que ultrapassou obstáculos bem mais prementes. Que ribombam nas cabeças das mulheres em causa!, ou defenderá alguém a hipótese absurda de serem precisamente elas as únicas pessoas a rejeitarem por princípio o aborto? Além disso, não tenho dúvidas em afirmar que o regime legal português torna mais difícil a prevenção de que os autores finlandeses falam, ao diminuir as hipóteses de apoio médico e social e dificultar a própria abordagem do tema.
Desvio feito, permitam-me uma confissão em jeito de desabafo. Não sou capaz de meter no mesmo saco todos os desafios lançados para a discussão. Uma coisa é pensar sobre um artigo científico que formula hipóteses, reconhece limitações e aponta objectivos que merecem o apoio de todos. Outra é esperar que cale a minha indignação quando vejo cartazes que falam de impostos e clínicas de aborto. Primeiro porque, como outros já salientaram na imprensa, os nossos impostos também pagam os processos judiciais; depois, porque é de particular mau gosto e oportunismo invocar o dinheiro, quando os portugueses são obrigados a não poucos equilíbrios para o fazerem chegar ao fim do mês; por último, e sobretudo!, porque colocar aspectos financeiros ao mesmo nível de argumentos éticos, quando se discute o sofrimento humano e estratégias para o minorar, é, na minha opinião, mesmo numa sociedade capitalista, simplesmente obsceno. De tal forma obsceno, que remete para a gaveta das boutades as ameaças de excomunhão e um extraordinário vaticínio - em caso de vitória do Sim, o aborto tornar-se-á tão banal como o telemóvel!
Eu falei de desvio. Longo e causado pela deformação profissional, mas desvio.Voltemos à única questão que estará sujeita a votação – deve a mulher poder optar por interromper uma gravidez durante as primeiras dez semanas em estabelecimento de saúde legalmente autorizado? Ou continuar refém da lei actual, que a empurra para o liberalizado aborto clandestino? Nós pensamos que não e por isso nos vamos bater. Antes de mais tentando reduzir a abstenção. Por razões de eficácia? Seguramente. Não é preciso ser psiquiatra para perceber que o receio de um falso mas anunciado “vale-tudo” poderá manter portas adentro potenciais apoiantes do Sim. Mas também por respeito pelo próprio instituto do referendo, que saiu maltratado das duas últimas consultas populares.
E no que à abstenção diz respeito, serei de uma franqueza brutal: contribuí, modestamente, para a eleição deste Governo. Não me arrependo, mas esta minha presença não traduz apoio incondicional a toda a sua prática. A alguma dela já franzi o sobrolho, sem contemplações ou dramas, é assim a Democracia. Não vim aqui hoje para apoiar o Governo ou sequer o PS, e sim para me juntar ao segundo numa luta que deve incluir os partidos, mas em absoluto os transcende.
Por isso me atrevo a fazer um pedido que, espero eu, possa encontrar eco para lá destas paredes, no eleitorado em geral. Não deixem que eventuais amuos, legítimas queixas ou até situações dramáticas vos afastem do cerne da questão: o que está em causa a 11 de Fevereiro é a possibilidade de evitarmos a repetição dos factos macabros a que assistimos aquando de recentes julgamentos. E dos que acontecem todos os dias sem o nosso conhecimento. Factos que provocam enorme dor a pessoas que a não merecem. Seria trágico perder esta oportunidade por alguns decidirem ficar em casa para demonstrar desacordo com a governação. O tempo para isso chegará. E depois dele outros, ao ritmo paulatino dos ciclos eleitorais. Mas este é diverso e já foi desperdiçado uma vez, não haverá desculpas para uma derrota provocada pela confusão de realidades que nada justifica misturar. O que vai a votos não é o Governo; mas o tirânico desgoverno provocado por uma lei anacrónica.
Cabe-nos lutar para que um povo capaz de semear bandeiras alegres nas janelas em apoio a uma selecção, ou demonstrar comovente solidariedade branca com Timor, não se recuse, melancolicamente, a demandar uma assembleia de voto para pôr fim a dramas que acontecem – clandestinos ou nem tanto… - no meio dele. Se o fizermos, seja qual for o resultado, dormiremos na noite de 11 de Fevereiro com a consciência tranquila. Cinquenta e sete anos de vida ensinaram-me que tão simples facto é já uma vitória.
Mas não chega, queremos a outra. E se, por absurdo ou gentileza desmesurada, a alguém depois lembrasse dizer “obrigada”, estou seguro que todos vocês me acompanhariam na resposta – “Não tem de quê. Nós é que pedimos desculpa pelo atraso”.

domingo, janeiro 21, 2007

Estou de acordo. Se o Sim ganhar há precauções a tomar, em prol da livre opção da mulher.

Referendo sobre o aborto Anselmo BorgesPadre e professor de Filosofia

Numa questão tão delicada, com a vida e a morte em jogo, não se pretende que haja vencedores nem vencidos, mas um diálogo argumentado, para lá da paixão e mesmo da simples compaixão. Ficam alguns pontos para reflectir. 1. O aborto é objectivamente um mal moral grave. Aliás, ninguém é a favor do aborto em si, pois é sempre um drama.2. A vida é um bem fundamental, mas não é um bem absoluto e incondicionado. Se o fosse, como justificar, por exemplo, o martírio voluntário e a morte em legítima defesa?3. Para o aparecimento de um novo ser humano, não há "o instante" da fecundação, que é processual e demora várias horas.A gestação é um processo contínuo até ao nascimento. Há, no entanto, alguns "marcos" que não devem ser ignorados. É precisamente o seu conhecimento que leva à distinção entre vida, vida humana e pessoa humana. O blastocisto, por exemplo, é humano, vida e vida humana, mas não um indivíduo humano e, muito menos, uma pessoa humana.Se entre a fecundação e o início da nidação (sete dias), pode haver a possibilidade de gémeos monozigóticos (verdadeiros), é porque não temos ainda um indivíduo constituído.Antes da décima semana, não havendo ainda actividade neuronal, não é claro que o processo de constituição de um novo ser humano esteja concluído. De qualquer modo, não se pode chamar homicídio, sem mais, à interrupção da gravidez levada a cabo nesse período.4. Sendo o aborto objectivamente um mal, deve fazer-se o possível para evitá-lo. Tudo começa pela educação e formação. Impõe-se uma educação sexual aberta e responsável para todos, que, não ficando reduzida aos aspectos biológicos e técnicos, tem de implicá-los, fazendo parte dela o esclarecimento, sem tabus, quanto à contracepção.5. O aborto é uma realidade social que nem a sociedade nem o Estado podem ignorar. Como deve então posicionar-se o Estado frente a essa realidade: legalizando, liberalizando, penalizando?6. Não sem razão, pensam muitos (eu também) que, se fosse cumprida, a actual lei sobre a interrupção da gravidez, permitida nos casos de perigo de morte ou grave e duradoura lesão para a mãe, de nascituro incurável com doença grave ou malformação congénita e de crime contra a liberdade e autonomia sexual (vulgo, violação), seria suficiente. 7. De qualquer forma, vai haver um referendo. O que se pergunta é se se é a favor da despenalização do aborto até às dez semanas, em estabelecimentos devidamente autorizados, por opção da mulher.Por despenalização entende-se que, a partir do momento em que não há uma pena, a justiça deixa de perseguir a mulher que aborta e já não será acusada em tribunal. Aparentemente, é simples. Mas compreende-se a perplexidade do cidadão, que, por um lado, é a favor da despenalização - despenalizar não é aprovar e quem é que quer ver a mulher condenada em tribunal? -, e, por outro, sente o choque de consciência por estar a decidir sobre a vida, realidade que não deveria ser objecto de referendo. O mal-estar deriva da colisão dos planos jurídico e moral.8. Impõe-se ser sensível àquele "por opção da mulher" tal como consta na pergunta do referendo, pois há aí o perigo de precipitações e arbitrariedades. Por isso, no caso de o "sim" ganhar, espera-se e exige-se do Estado que dê um sinal de estar a favor da vida.Pense-se no exemplo da lei alemã, que determina que a mulher, sem prejuízo da sua autonomia, deve passar por um "centro de aconselhamento" (Beratungsstelle) reconhecido. Trata-se de dialogar razões, pesar consequências, perspectivar alternativas. A mulher precisará de um comprovativo desse centro e entre o último encontro de aconselhamento e a interrupção da gravidez tem de mediar o intervalo de pelo menos três dias. As custas do aborto ficam normalmente a cargo da própria.O penalista Jorge Figueiredo Dias também escreveu, num contexto mais amplo: "O Estado (...) não pode eximir-se à obrigação de não abandonar as grávidas que pensem em interromper a gravidez à sua própria sorte e à sua decisão solitária (porventura na maioria dos casos pouco informada); antes deve assegurar-lhes as melhores condições possíveis de esclarecimento, de auxílio e de solidariedade com a situação de conflito em que se encontrem. Sendo de anotar neste contexto a possibilidade de vir a ser considerada inconstitucional a omissão do legislador ordinário de proporcionar às grávidas em crise ou em dificuldades meios que as possam desincentivar de levar a cabo a interrupção".

sexta-feira, janeiro 19, 2007

Dúvida que partilho.

Fé, emoções e Código Penal Ana Sá Lopesana.s.lopes@dn..pt

A força da campanha do "não" é a sua ferocidade emocional, alicerçada em questões de fé, respeitáveis mas inexplicáveis à luz do direito penal, que tenta reger as coisas dos homens e não as coisas de Deus. Ao entregar a revisão do Código Penal ao voto popular, o legislador optou por sujeitá--lo à fé e às emoções. Visto a oito anos de distância, percebe-se facilmente a vitória do "não" num referendo em que mais de metade do eleitorado achou que não tinha nada a ver com o assunto. É esta a vantagem do "não" - que parte com a clara vantagem de uma experiência alicerçada em 2000 anos de história. Chamar ao embrião "bebé" ou "pessoa", por exemplo, é meio caminho andado para a criação de um clima de culpabilização agregador de adeptos ou de tendenciais abstencionistas. Mesmo que esses adeptos sejam os que concordam com a lei vigente - aquela que admite "matar" "pessoas" na barriga de uma vítima de violação ou "pessoas" deficientes, estas com 24 semanas de gestação! A força do "não" passa por uma fantástica organização e por uma capacidade exponencial de militância - viu-se na capacidade mobilizadora que permitiu a multiplicação de movimentos, vê-se no trabalho paroquial seja do bispo da Guarda que compara o aborto à pena de morte aplicada a Saddam Hussein ou no cónego jurista canónico de Castelo de Vide, que garante que um cristão que vote "sim" arrisca-se à excomunhão e não pode ter um enterro religioso. Francisco Louçã contestou uma ideia que escrevi aqui sobre o risco do "sim" perder votos em cada dia que passa. É verdade que algumas "condições objectivas" melhoraram relativamente a 1998: a despenalização deixou de ser uma coutada da esquerda, os católicos pela despenalização apareceram, os médicos envolveram-se e o PS e o primeiro-ministro comprometeram-se. Mas talvez não chegue se os cidadãos e as cidadãs que não querem ver julgadas as mulheres que praticaram abortos se resolverem desinteressar, enfastiar ou votar com a fé ignorando que está em causa a justiça e o Código Penal. É o risco em aberto, é o desafio colocado a todos os que são contra a penalização.

Nós, os mais velhos, que nunca estudámos...

Quem votar 'sim' fica sem funeral religioso Hugo Teixeiraem Portalegre

"Os cristãos que vão votar 'sim' no referendo serão alvo de excomunhão automática, a mais pesada das censuras eclesiásticas", garante o cónego Tarcísio Alves, pároco há cinco anos em Castelo de Vide (Portalegre). A excomunhão automática atinge ainda "todos os intervenientes na execução do crime, como, por exemplo, médicos e enfermeiros", sublinha, enquanto consulta página a página o Código Canónico."Se um católico aceitar a liberalização do aborto incorre na censura da excomunhão e não poderá ser reintegrado na comunidade cristã sem intervenção do bispo", sustenta ainda. Doutorado pela Universidade Católica de Salamanca em Direito Canónico, Tarcísio Alves tem distribuído nos últimos tempos, pelos paroquianos, um boletim informativo em que adverte os devotos para os "perigos" de votar "sim" no próximo referendo e as consequências, junto da Igreja, que poderão sobrevir. "Não fui eu que inventei estas regras, está tudo bem explícito no Cânone 1398" sublinha.Mas o vigário judicial da diocese de Portalegre e Castelo Branco vai mais longe ao alertar os fiéis para "outros perigos" que podem surgir, se no próximo referendo o voto recair no "sim". "Se votar no 'sim' ou se se abstiver, poderá estar também a cometer um pecado mortal gravíssimo. No referendo até as irmãs vão sair dos conventos porque senão também incorrem num pecado de omissão", adverte.Para o clérigo trata-se de "um caso grave", porque todos aqueles católicos que violarem as leis da Igreja sobre este ponto "não podem casar, baptizar-se e nem poderão ter um funeral religioso - Cânone 1331."Tarcísio Alves garantiu ao DN que "não faz política nem fala do caso durante as missas de domingo, mas no seu boletim paroquial e através de e-mails". O cónego promete continuar a "esclarecer a população e a prova disso passa pela edição, ainda hoje, de mais um boletim que no último parágrafo apela mais uma vez ao voto no 'não'".A comunidade católica de Castelo de Vide encara estes "avisos" de forma natural e aplaude a atitude do cónego. "Acho bem que expliquem os perigos do aborto às pessoas, principalmente a nós, os mais velhos, que nunca estudámos. O que sabemos é através daquilo que vemos na televisão", diz Piedade Godinho à entrada da igreja.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Como há mais de um telemóvel por cada português, é só fazer as contas...

Referendo ao aborto
César das Neves diz que Sim tornará o aborto banal como o telemóvel
O economista João César das Neves vaticinou hoje que, se o aborto for despenalizado, este passará a ser uma coisa «tão normal como um telemóvel»


João César das Neves falava durante uma conferência de imprensa com o tema «a liberalização do aborto e aumento do número de abortos», a menos de um mês da realização do referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas.
No encontro com a comunicação social, o economista apresentou dados europeus (Eurostat) sobre o crescimento do número de abortos após a sua «liberalização» em países europeus, Estados Unidos e Canadá.
De acordo com estes dados, citados pelo economista, a liberalização conduziu a um «aumento generalizado do número de abortos».
As taxas de crescimento do aborto nos primeiros anos após a liberalização quase triplicaram, disse João César das Neves, acrescentando que «esse crescimento manteve-se até à actualidade, embora a um ritmo mais brando».
Para o economista, este fenómeno «tem um paralelo económico»: a chegada de um produto novo ao mercado.
Tal como aconteceu com os telemóveis, João César das Neves prevê que exista um aumento exponencial do número de abortos, como com os telemóveis adquiridos pelos portugueses.
A «liberalização» do aborto é seguida de «uma cultura abortista, em que este passa a ser uma coisa normal, como um telemóvel».
O economista denunciou ainda que, caso o aborto venha a ser despenalizado até às dez semanas, «muitos médicos que aleguem objecção da consciência para não realizar a intervenção serão prejudicados».
Quando questionado sobre a origem destas informações, João César das Neves disse que chegou a esta conclusão «pensando» e disse recear que «os hospitais - actualmente locais de vida - , passem a ser espaços de morte».
A propósito do financiamento da campanha do Não à despenalização do aborto, a jurista Isilda Pegada disse que estão previstos 400 mil euros, provenientes de donativos dos apoiantes do não.
O novo cartaz da Plataforma Não Obrigada, hoje apresentado, é novamente uma pergunta: «Contribuir com o meu voto para aumentar o número de abortos?».
Lusa / SOL

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Defenda as suas causas numa lógica capitalista:).

Site alemão oferece 'manifestantes de aluguel'

Sergio CorreaDe Berlim


Möller e Kampschulte dizem que um manifestante custa US$ 150
Promotores de causas perdidas ou simplesmente movimentos políticos sem apoio suficiente na Alemanha podem a partir de agora alugar seus próprios manifestantes.
Desde dançarinas de strip-tease até exuberantes Ferraris figuram na relação do erento.com, um site alemão especializado em alugar qualquer coisa imaginável.
Mas a partir deste ano, a empresa começou a oferecer "manifestantes profissionais", homens e mulheres, geralmente estudantes, desocupados e aposentados, que por um pagamento especial se transformam em defensores de qualquer causa que se possa imaginar.
"Abrimos o serviço devido à crescente demanda", dizem os responsáveis pelo Erento, Chris Möller e Uwe Kampschulte. "Em geral, não sabemos o que os manifestantes contratados acabam fazendo, mas naturalmente rechaçamos qualquer forma de agressividade ou extremismo de direita", afirmam.
Honorários
Um manifestante não sai barato. Cada um custa em torno de US$ 150 por dia.
Alguns manifestantes, porém, cobram honorários reduzidos por causas que os interessam.
A empresa fica com 4,9% dos honorários de cada pessoa contratada.
O site da Erento oferece fotos e perfis dos manifestantes
Criar uma manifestação de caráter massivo pode custar uma fortuna. Mesmo assim, a Erento afirma que apenas na primeira semana de janeiro foi consultada por cerca de 50 clientes sobre os serviços desses "mercenários da opinião".
No final do ano, soube-se que uma manifestação em frente ao Parlamento, que reuniu cerca de 200 membros da Associação de Médicos Alemães contra uma nova lei de saúde, havia sido coberta por 150 manifestantes alugados e rapidamente disfarçados com o avental branco.
Alugar manifestantes também pode trazer benefícios de imagem. Se a causa carece de apoio jovem ou de adultos, de imigrantes ou de estudantes, o cliente pode pesquisar as fotos e os perfis de cada "manifestantes" na página da Erento para escolher o que mais lhe favorece.
A empresa também se encarrega de alugar equipamentos como megafones, apitos, caminhões e todo o resto necessário para uma verdadeira manifestação.
A crescente despolitização da população parece fazer com que nem mesmo aqueles afetados diretamente em seus interesses reúnam forças nem ânimo suficientes para sair às ruas.
Os responsáveis pela empresa garantem, no entanto, que é impossível distinguir um manifestante real de um alugado.
Com uma carteira recheada, muitas iniciativas poderiam simular um apoio popular inexistente, um problema que já começa a preocupar juristas e políticos na Alemanha.

terça-feira, janeiro 16, 2007

Bom tema de discussão.

Mulher pode engravidar de soldado morto

2007/01/15 22:36

Que nunca conheceu. Pais de militares fizeram pedido formal

Um tribunal israelita aprovou esta segunda-feira, numa decisão sem precedente, a utilização do esperma de um soldado morto para inseminar uma mulher que ele nunca conheceu, depois de um pedido formal formulado pelos pais do militar, noticia a agência Lusa.
A família do soldado Keivin Cohen, morto em 2002 por um tiro de palestinianos, apresentou ao tribunal de Telavive um pedido dando conta do «desejo (do soldado) de poder fundar uma família», indicou fonte judicial.
Uma amostra do esperma do militar de 20 anos foi conservada pela mãe depois da sua morte e esta iniciou os processos judiciais para poder inseminá-lo, embora o soldado nunca tenha manifestado essa intenção.
«Todas as vezes que eu visito a sua campa e lhe toco, recordo como é maravilhoso poder pegar numa criança», declarou a mãe, Rachel Cohen, à cadeia de televisão Channel 10.
Cohen contou que a família lançou um apelo às mulheres e mais de 200 candidatas comunicaram que aceitavam ser inseminadas.
«Há ano e meio que estamos em contacto com uma linda mulher», que deverá ser a mãe de aluguer, salientou.

domingo, janeiro 14, 2007

E por fim...

No dia seguinte comecei a dar à perna com dois objectivos: ver os monumentos e comprar a consciência. Porquê? Não conhecem o método? Ando como um burro – o que só exige modificação às pernas... – e decido ter queimado as calorias suficientes para me conceder os caprichos alimentares. Simples, não é? Bom, quando me preparava para experimentar a tasca recomendada pelo meu filho, o telefone tocou. Foi, de resto, o seu último sinal de vida; apagou-se. Definitivamente. A besta resistiu a todas as manobras de ressuscitação, só não tentei o boca a boca. Senti um arrepio, meia dúzia de anos chegaram para não conseguir sobreviver sem o maldito aparelho. Eu!, que lia o jornal nas bichas para os telefones públicos no estrangeiro quando as saudades da familória apertavam... Pedi socorro ao dono de um café, confortavelmente debruçado sobre jornal desportivo. O homem, pessimista - “só se for no Centro Comercial”. Corri à catedral de consumo. A porta da loja indiferente ao drama – encerramento às 13 horas. Nãããão, eram 13,15! Entrei noutro café, pronto a mergulhar numa cerveja, no alcoolismo, no desespero, no esquecimento. O colo apetecível da patroa; contei-lhe tudo. A boa da senhora ao leme, “vou telefonar à dona da loja, somos amigas”. O bichinho da esperança, tímido. O telefone mudo, “porque não vai o senhor a casa dela?” Fui. Toquei até me doer o dedo, além da alma. A senhora idosa ouviu-me, desconfiada, construir um muro particular de lamentações. Quando terminei, respondeu, com enorme calma, que a dona da loja era a filha (que fez a fineza de chamar). Eu já estava por tudo, puxei a cassete atrás e repeti a lamúria. Ah, as mulheres!, que mistura genial de romantismo e sentido prático: “estou nas limpezas, mas faço-lhe o jeito. Vá o senhor indo e espere por mim, tenho de mudar de roupa”. O credo na boca, não havia a certeza de existir modelo compatível com o meu cartão, as suas explicações atravessavam-me sem deixarem a mais leve impressão digital. Havia. Comprei um té-lé-lé novo, assim desperdiçando todos os pontos avaramente coleccionados no último ano. Invadiu-me um alívio preocupado consigo próprio, quanto tempo duraria? Irrompi por Espanha, com a absoluta certeza de que em breve a ETA falharia um quartel da Guardia Civil, sobrando a bomba para um português azarado, que morreria com estas últimas palavras - “es una injusticia”.
Ronda é um espanto, cidade escarranchada num desfiladeiro vertiginoso. Mas eu continuava furiosamente abraçado ao azedume. Ensaiei o número do português amuado com a terrinha, ao verificar que o Parador era mais barato do que a estalagem alentejana - “e têm eles um salário mínimo que envergonha o nosso, assim não vamos a lado nenhum!” Angustiado pelo imobilismo pátrio, parti a afogar mágoas e mau olhado em sangria e paella. Pelo caminho, avistei ao longe pequena multidão e a megalomania etarra voltou-me ao espírito - “terá sido uma bomba?” Não fora, deparei-me com espectáculo bem menos explosivo. Dois jovens, pouco entusiasmados, bailavam o tango para ganhar uns cobres, sob o olhar distraído de uns e atento mas agarrado ao dinheiro de outros. Lembrei-me de Borges: “Num diálogo de Oscar Wilde lê-se que a música nos revela um passado pessoal que até esse momento ignorávamos e nos leva a lamentar desventuras que não nos ocorreram e culpas que não cometemos; ... Talvez a missão do tango seja essa: dar aos Argentinos a certidão de terem sido valentes, de terem cumprido já as exigências da valentia e da honra”. Mas aqueles dois não estavam certos de nada e o problema não era serem espanhóis e não argentinos. Exalavam uma aura deprimente, com os sorrisos plastificados e os passos correctos mas sem vida. Tive a fantasia cruel de que as poucas moedas que (não) se acotovelavam na boina encarrapitada no gravador acabariam no balcão do MacDonald’s mais próximo. Cada vez menos isento, preparei-me para desancar a paella e a sangria. Foi então que o rafeiro apareceu...
De imediato o bicho me pareceu um compagnon de route na busca de razões para odiar a vida. Os olhos, mais do que famintos, eram lamentosos e lamentáveis, senti que os restos do meu jantar não aplacariam a angústia existencial possível em quem desconhece estar-lhe a morte reservada. Este relâmpago de lucidez filosófica e barata poupou o cristão praticante não filiado dentro de mim – com um olhar clandestino em volta dei-lhe as sobras da paella (que era realmente fracota!). Ouvi o criado enxotá-lo, depois explicar a outra mesa que o cachorro fazia daquele ritual o seu modo de sobrevivência. Sorri interiormente com desprezo, obviamente ele não pressentira a comunhão que se estabelecera entre dois infelizes. A cada naco o olhar do cão esquecia a fome e fitava-me com indiscutível e comovente doçura. A razão só podia ser uma - descobrira o dono da sua vida. A mim de resolver os problemas logísticos, para que me pudesse acompanhar no resto das férias, antes de o aboletar no Porto.
Acabada a refeição, o empregado limpou a mesa; eu vogava ao sabor da sangria e da inesperada solidariedade que encontrara. E eis que o cão desapareceu, em busca de outras sobras, indisponível para deixar o restaurante na sombra dos meus passos. Pensei no assunto. O amor do rafeiro por mim não oferecia dúvida, estava na cara (mais precisamente no focinho!). E no entanto ele partira. Mas deixando-me enorme lição: embora desejoso de me seguir, escolhera ficar. Talvez por lealdade à família, à cidade, ao país, sei lá?, a uma vida de cão, mas que era a sua. Renunciara ao dono ideal sem queixa, uivo ou lambedela húmida e seguira em frente. Pois se ele conseguia, também eu era capaz - atirei a auto-piedade para trás das costas e entrei de férias.
Dias depois, em Granada, outra mesa, outra paella, outro cachorro. Não chincou nada; ignorei-o olimpicamente. Do facto retiro a conclusão de que algo em mim não digerira o heroísmo do de Ronda ao abandonar-me. Que hei-de fazer?, sou humano e possessivo, pagou o cão justo pelo pecador. Nessa altura ocorreu-me que amiúde fazemos isto às pessoas, sobretudo nos labirintos amorosos, trucidamo-las por causa das nódoas negras que outras deixaram. E – perdoem-me a imagem fácil! – acabamos todos a sofrer como cães.

sábado, janeiro 13, 2007

Um bom aviso.

A um mês do referendo Marina Costa Lobo marinacosta.lobo@gmail.comPolitóloga

A um mês do referendo, o jornal Público divulgou na sexta-feira uma sondagem realizada pela Intercam- pus sobre o referendo ao aborto: 62% afirmam que vão votar com toda a certeza, enquanto 38% já assumem algumas reservas quanto à possibilidade de ir votar. A ser este o resultado, estariam por isso largamente assegurados os necessários 50% para que o referendo fosse vinculativo. A sondagem revela ainda que o sim ganharia por uma larga margem: 67% respondem que votariam sim, contra apenas 33% que votariam não à despenalização da IVG.Esta sondagem obviamente agradará aos partidários do sim, mas não devia. Existe um conjunto de razões que sugere cautela aos partidários do sim, entre os quais me conto, em relação a estes dados.Em primeiro lugar, não é de mais lembrar que uma sondagem reflecte a realidade da opinião pública nesse momento e não o que será o resultado final. Quanto maior o tempo que medeia entre a sondagem e a consulta popular, maiores as probabilidades de haver diferenças entre os resultados de uma e de outra. Entre esta sondagem e o referendo decorrerá todo o período de campanha: a julgar pelo número de movimentos registados (até quinta- -feira estavam registados 15 movimentos que irão fazer campanha pelo não; e seis movimentos pelo sim), e os argumentos esgrimidos, a campanha arrisca-se a azedar. Quando esta começar, é possível e mesmo provável que haja mudanças de posicionamento por parte do eleitorado. Os estudos sobre comportamento eleitoral que visam as eleições legislativas e presidenciais em Portugal têm mostrado que cerca de um quinto do eleitorado toma a sua decisão de voto nas últimas duas semanas. Numa questão relativamente complexa como o aborto, a natureza dos argumentos a que se é exposto deverá ser fundamental para a decisão final.Em segundo lugar, as próprias sondagens publicadas em que um lado surge como vencedor à partida, tal como esta, podem ter um efeito perverso: neste caso, a sondagem pode desmobilizar os partidários do sim, na medida em que estes poderão considerar que o seu voto é desnecessário à vitória que já se afigura como certa; pelo contrário, a esta sondagem irá mobilizar o campo do não, onde claramente todos os votos são cruciais. Novamente, a campanha torna-se fundamental para manter o interesse e impedir a desmobilização do "sim".Em terceiro lugar, e como exercício de lucidez, vale a pena olhar para sondagens realizadas em igual período no anterior referendo ao aborto de Junho de 1998. Antes disso, recordemos os dados-chave desse referendo: apenas 32% dos portugueses foram votar; destes, 51% votaram contra e 49% votaram a favor da despenalização. Ressalvando as devidas diferenças metodológicas, uma sondagem do Expresso/Euroexpansão elaborada a um mês desse mesmo referendo e publicada a 6 de Junho de 1998 declarava que "a esmagadora maioria dos portugueses (81%) tem a intenção de votar no referendo sobre a despenalização do aborto, dia 28 de Junho. Ainda de acordo com esta consulta, o 'sim' ganha por 25 pontos percentuais e o número de indecisos é consideravelmente baixo: a cerca de um mês da realização do referendo, apenas 9% ainda não sabem como irão votar." Outras sondagens realizadas antes do referendo de 1998 corrobora- vam as conclusões do Expresso, nomeadamente as publicadas pelo Diário de Notícias. Embora as sondagens mais próximas do dia da consulta fossem indicando que a diferença percentual entre os apoiantes do "sim" e os apoiantes do "não" diminuía, estas sondagens davam a vitória ao "sim".Em quarto lugar, e tal como é referido no Público de ontem, os dados devem ser olhados com cautela porque nesta sondagem são os jovens (18-34 anos) o grupo etário que está neste momento mais convicto de que vai votar, com apenas 8% indicando não ter intenção de o fazer. Ora todos os estudos existentes nacionais e internacionais mostram que são precisamente os jovens os que se abstêm mais. Há boa vontade e boas intenções, mas no próprio dia é este grupo etário o que mais falha no seu dever de voto.Estas considerações devem ser suficientes para que a mobilização não seja descurada pelos partidários do sim.
Não quer isto dizer que aprove a medida anunciada na sexta-feira pela RTP, de colocar os tempos de antena às 19.00 de forma a minimizar o impacto dos movimentos de cidadãos maioritariamente a favor do não. Este é claramente um atentado contra a participação da sociedade civil que o PS tantas vezes apregoa, e é por isso inaceitável. O PS e o Governo devem tentar moldar e dominar o debate, mas não através da mudança das regras do jogo a meio, e sim pelos argumentos de que dispõem.

P.S. Tendo sido esta a motivação da RTP, ou a de não prejudicar audiências, partilho a opinião da autora - é inaceitável num canal de serviço público.

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Segundo movimento...

Pensava eu... Levantei-me bem disposto, quase enérgico. Verificar os últimos pormenores. Pus as lentes entre mim e o sol prometedor lá de fora, afinal ia guiar umas centenas de quilómetros. Sujas, como de costume. Limpei-as vigorosamente. Tão vigorosamente que uma delas se lançou em voo picado rumo à catástrofe! Do mal o menos, aterrou na cama, talvez ainda sonolenta. Que fazer? Pergunta idiota por académica, teria de passar pelo oculista. Rangi os dentes. E se – para não falar do atraso... - as boas senhoras não me resolvessem o problema? Seria obrigado a levar as minhas velhas cangalhas, em pleno gozo de reforma bem merecida.
Mergulhei no quarto de banho, imerso num desânimo irritadiço. Talvez com o fito de o descarregar, servi-me da máquina de barbear como de punhal apontado à garganta de um inimigo. As consequências foram imediatas e ardentes – o meu queixo entrou em pé de guerra. Fiquei estarrecido. Conheço de ginjeira essas infecções preguiçosas que acabo por vergar com antibióticos auto-prescritos, à revelia de opinião médica responsável. Quase investi para o saco em busca da embalagem. Mas..., e se me atacasse a vesícula? Apavorou-me a hipótese de avançar para as minhas queridas e sexy tapas espanholas já inferiorizado! Fazendo figas, telefonei à colega dermatologista que no ano passado me salvou de uma alergia desesperante. Foi por um triz, também estava a caminho de férias. Ouviu-me com paciência evangélica. E divertido escândalo - “antibiótico?!?!” -, acusou-me de matar moscas com balas de canhão que poderiam ser necessárias um dia mais tarde. Cada vez mais tarde me via eu a partir!, o remédio que gentilmente sugeriu acrescentava a farmácia ao oculista...
Acelerei para a garagem, tentando calcular a dimensão do futuro atraso. Não me ocorreram maus presságios sobre a mecânica, guio carro filho da orgulhosa eficiência germânica. Uma luz vermelha resistiu ao apagar de todas as outras no painel dos instrumentos. Pareceu-me tarde para manifestação de solidariedade com a última – salvo seja! - vitória do Benfica e cedo para triunfalismo referente à próxima jornada. A minha lendária ignorância empurrou-me para o livro de instruções. Folheei-o apreensivo, seria grave? Não, apenas uma lâmpada fundida. Apenas... Já imaginava a polícia espanhola – importa-se usted de pôr o pé no travão para nosotros vermos se as luces de los mismos funcionam? Depois a multa, eu sem euros que chegassem, todos a caminho do multibanco mais próximo, o tempo perdido, o bolso emagrecido...; além do oculista e da farmácia passaria pela BMW.
As técnicas estranharam o meu modo brusco, pedi-lhes desculpa e dei um pulo à farmácia mais próxima. A senhora que esperava pelos seus anti-reumáticos perguntou-me se tencionava regressar ao pequeno ecrã, mas respondeu por mim – “eles só querem lá mulheres nuas!”. O que definitivamente me exclui. Voltei ao oculista. Questão de parafusos (já me têm acusado de ter alguns a menos!). Se voltasse a acontecer, em qualquer lugar do mundo me resolveriam o problema. Sorriso amarelo, esperava bem que não. Voei para a oficina. Uma estranha calma e o guarda tristonho, “estamos fechados para férias”. Alternativa? Dar um pulo a Valadares, nos arrabaldes de Gaia. Rangi os dentes e decidi recorrer a mão de obra perto de casa. A garagem a abarrotar de carros alheios e eu rastejante, “vou para Espanha, se me desse uma ajudinha...”. O mecânico, sobrolho franzido - “travões? Isso leva tempo!” Expliquei laboriosamente que o malfadado livrinho falava das luzes dos travões e não deles mesmos. O rosto permaneceu fechado. Exibi a teimosia vermelha no painel. Desprezo espantado – “por que falou de travões? São os stops, homem!” Stop, Júlio, olha a tensão arterial! Engoli a resposta furibunda e fui recompensado - em cinco minutos o problema estava resolvido. Despedi-me da tribo em derrapagem mais ou menos descontrolada, e avancei para a estrada com um terrível pressentimento. Nem o espectáculo maravilhoso do fim da tarde alentejano o abanou – as férias estavam amaldiçoadas.

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Velharia incriminatória:).

Calimero em férias (I)



A auto-piedade goza de péssima reputação. Uma das razões para esse olhar de través parece-me de índole religiosa – a comiseração deve ser monopólio do Senhor, made in Heaven. Buscar refúgio sob um manto de pena e infortúnio tecido pelas nossas próprias mãos assume foros de pecaminosa arrogância. Como se um pedinte embolsasse esmola por artes mágicas e não fosse obrigado a solicitar a compreensão do transeunte, assim reduzido à impotência anónima. (Veja-se o brando orgulho com que algumas benfeitoras do antigamente falavam dos “seus” pobres). Mas outro factor acirra os ânimos, neste mundo que cultiva a preguiça consumista, disfarçada de agitação frenética – a tonalidade estática do sentimento, o seu imobilismo complacente. A contemplação piedosa das nossas feridas – e umbigo! - horroriza igualmente a tradição judaico-cristã e a laica sociedade pós-moderna: a primeira por recusar a salvação através do arrependimento humilde; a segunda por se oferecer o luxo de abandonar por momentos a pista da vida e o acelerador (lá diziam Lennon e MacCartney: “step on the gas and wipe that tear away”). Somos culpados de soberba imóvel!
Perdoem o plural, é seguramente injusto; eu!, sou dado a episódios de irresistível megalomania infeliz. Megalómanos sim, pois não me basta lamber amorosamente as cicatrizes - decido que o mundo se absteve de girar e todo se dedicou à volúpia de me infernizar a vida. Triste e revoltado, se pusesse uma casca de ovo na cabeça, à laia de boina basca, seria capaz de dizer como Calimero: “It’s an injustice; it is”. Para cúmulo, à mania das grandezas junto a superstição. Não a tradicional, que tempo e povo legitimam - gatos pretos, sete anos de casamento, espelhos quebrados, pedir o campeonato para o Benfica, etc... -, mas a decorrente da minha estrutura mental - católica, embora vazia de Deus. Assim, quando o mundo parece disposto a conceder-me o gozo, adivinho-o ameaçador, pronto a fazer-me pagar pelo prazer que não mereço. Exemplo desse receio de pecador clandestino? A partida para férias.
A idade foi-me tornando meticuloso. Melhor: desconfiado de mim mesmo e do destino; da capacidade para fintar os imprevistos e iludir os caprichos do acaso que transformamos em fado, nesta imensa nostalgia de pôr alguma ordem no universo. Procuro, por isso, reduzir as hipóteses de surpresas desagradáveis. Faço as malas de véspera e durmo em casa como se pernoitasse em hotel de beira-estrada; mesmo as totémicas fotografias da tribo deixam a mesa de cabeceira e já passam a noite dentro do saco. De manhã distribuo saudades antecipadas e hop!, venha a estrada.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

À custa de malabarismos dos juízes?

Aborto: cartaz do PS é «fraudulento»
2007/01/10 15:37
CDS quer retirada da campanha que «transmite a ideia de que está em causa manter a prisão»

O CDS-PP desafiou esta quarta-feira o PS a retirar um cartaz que considera «fraudulento» no apelo à despenalização do aborto e exigiu ao ministro da Justiça que esclareça se existem em Portugal mulheres presas pela prática de aborto.
O cartaz do PS em causa, que está na rua desde terça-feira, contém apenas uma pergunta: «Abstenção para manter a prisão?».
«O CDS-PP protesta pelos cartazes lançados pelo PS na pré-campanha para o referendo em que se transmite a ideia de que está em causa manter a prisão, o que constitui, como toda a gente sabe, uma completa, redonda e grosseira falsidade», acusam os democratas-cristãos, num comunicado da comissão executiva do p artido.
Para o CDS-PP, o referendo de 11 de Fevereiro «incide sobre a liberalização do aborto a pedido até às 10 semanas e sua legalização, introduzindo o aborto livre no sistema de saúde».
«Não há em Portugal uma só mulher em situação de prisão por crime de aborto. E muito menos se conhece um qualquer caso de prisão por aborto a pedido até às 10 semanas, como está em causa concretamente no próximo referendo», sublinham os democratas-cristãos.
Por outro lado, acrescentam, «o projecto de lei subjacente ao referendo manteria uma penalização e criminalização do aborto a partir da 11ª semana».
«O cartaz do PS constitui, assim, um apelo fraudulento de um "Sim irresponsável"», conclui o CDS-PP, exigindo esclarecimentos sobre esta matéria ao ministro da Justiça, Alberto Costa.
«Face ao desplante do PS e para que não restem quaisquer dúvidas, é obrigação do ministro da Justiça esclarecer de imediato os portugueses sobre quanta s mulheres estarão eventualmente presas em Portugal por crime de aborto, ou não, e especificamente em prisão por aborto praticado até às 10 semanas», desafiam.
O CDS-PP exorta ainda os socialistas a retirarem o cartaz em causa e a «renunciar a técnicas indignas e vergonhosas de publicidade enganosa, declarando publicamente que não repetirão, nem reincidirão no escândalo da técnica da mentira», que os democratas-cristãos consideram ter sido utilizadas pelo PS nas elei ções legislativas de 2005, em matérias como impostos e portagens nas auto-estradas (SCUT).


P.S. Como prometi, neste blog aparecerão depoimentos de ambos os lados da "barricada". Devo dizer que este argumento é um dos que me parecem mais ilustrativos de uma política de avestruz em relação ao problema. Porque não existem mulheres presas? Porque, sejamos claros, em diversas ocasiões a lei foi "torneada" com diversos pretextos. O que não deve acontecer às leis, pois não? Será de a manter e esperar de quem a aplica a violação de dignidade e competência profissionais para evitar o que horroriza ambos os lados por razões diferentes, a saber, a prisão das mulheres? E basta sair do tribunal em liberdade para esquecer tudo o que de sinistro aconteceu durante o processo? Ou deveremos substituir as penas de prisão por "estágios de reeducação moral" para as condenadas? A argumentação baseada na brandura da aplicação da lei cheira a caridadezinha..., à custa, não do bolso, mas do fechar de olhos de outros! Modificada ou não, cumpra-se a lei, sob pena de a ridicularizarmos e à Democracia por arrasto.

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Se sabia tinha levado cobertor:(.

Se me quiserem ver transidinho de frio já têm a última loucura das produções Murcon no dito à beira-mar:). Brrrrr...

sexta-feira, janeiro 05, 2007

Nós.

Um outdoor da campanha para o Referendo fez-me pensar. Nele se pergunta se estamos dispostos a que o dinheiro dos nossos impostos vá para clínicas que farão abortos. Que sociedade permitimos que crescesse? Todos nós, adeptos do sim e do não? Com receio que as abordagens religiosa, ética, de saúde pública, legal, etc... não chegassem, alguém sacou da manga um argumento que cala fundo em cérebros pós-modernos e endividados - querem ser vocês a pagar? Quando se recorre ao bolso e à carteira para defender a Vida, diz-se alguma coisa acerca da sociedade em questão, a saber, acerca da sua hierarquia de valores. Eles não são apenas indiscutíveis, mas também caros! Pobres de nós - vou repetir - nós todos... - quando tal argumento faz sentido numa discussão destas:(.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Ao que isto chegou:).

Mulheres casadas fantasiam com outro homem
2007/01/03 00:17

Sondagem revela que 76 por cento guarda segredos dos maridos

Uma ampla maioria de mulheres casadas - 76 por cento - reconhece que tem fantasias com um outro homem em lugar do marido, segundo uma sondagem divulgada terça-feira, e noticiada pela agência Lusa.
Um inquérito realizado num universo de mais de 3.000 mulheres casadas dos Estados Unidos revelou que um terço delas (36 por cento) não escolheria o mesmo homem como marido e 20 por cento não sabe se o faria ou não.
A sondagem foi realizada para a revista Woman¿s Day Y AOL.com entre 20 de Setembro e 23 de Outubro, e os seus resultados foram publicados na edição que foi posta à venda terça-feira, revelaram as empresas num comunicado.
A sondagem revela, por outro lado, que 76 por cento das mulheres consultadas guardam segredos para os maridos, e 84 por cento afirma que gostava de saber se o marido a engana com outras.
Deste grupo, 49 por cento admitiu que suspeitou ou chegou mesmo a apanhar o respectivo cônjuge em plena aventura extra-marital. Uma ampla maioria de mulheres casadas - 76 por cento - reconhece que tem fantasias com um outro homem em lugar do marido, e 39 por cento afirma que se apaixona por outros homens de forma constante.
Quanto aos famosos, 31 por cento das entrevistadas considera os actores Ben Affleck e Will Smith como os casados famosos mais atraentes sexualmente.

quarta-feira, janeiro 03, 2007

A "angústia intersticial".

...
É escusado somar estas parcelas.
Eu sei que a conta está errada,
que falta, entre as parcelas, uma parcela de angústia.

E não sei se está em mim se está nas outras.

Jorge de Sena.

segunda-feira, janeiro 01, 2007

A subida de tom.

«Junto com as vítimas dos conflitos armados, do terrorismo e das mais diversas formas de violência, temos as mortes silenciosas provocadas pela fome, pelo aborto, pelas pesquisas sobre os embriões e pela eutanásia» , afirmou Bento XVI na sua mensagem.


Então era isso! As mulheres que ouvi no consultório - e fora dele... - ao longo de trinta anos, algumas acompanhadas pelos parceiros, muitas hesitantes, outras tantas com medo, várias arrependidas, todas mais ou menos entristecidas, tinham algo em comum: o leve (?) odor a terrorismo...